7 de mai de 2018

Uma aguarela de Lima de Freitas

Atualizado: fev 22

Aguarela de Lima de Freitas baseado no poema Ode a Baco, de Miguel Torga,

da coleção dos proprietários da Quinta do Cerrado da Porta.

Ode a Baco

Vou-te cantando, Baco!

Não pela colheita de hoje, que é pequena,
 
Mas pela de amanhã, muito maior!
 
Vou-te pondo nos cornos estas flores,
 
Que não querem ser líricas nem puras,
 
Mas humanas, sinceras e maduras.

Vou-te cantando, e vou cantando o sol,
 
A terra, a água, o lume e o suor.
 
Vou erguendo o meu hino
 
Como levanta a enxada o cavador!

Lá nesse Olimpo em geios,
 
Único Olimpo etéreo em que acredito,
 
Aí me prosterno, rendo e te repito
 
Que és eterno,

Mais do que Deus e mais do que o seu mito!

Beijo-te os pés - os cascos de reixelo;
 
Olho-te os olhos de pupila em fenda;
 
E sabendo que és fauno, ou sátiro ou demónio,
 
Sei que não és mentira nem és lenda!

Dionísos do Douro!

Pêlos no púbis como um homem,
 
Calos nas mãos ossudas!
 
E bêbado de mosto e de alegria,
 
À luz da negra noite e do claro dia!

Cachos de alvarelhão de cada lado
 
Da marca universal da natureza!
 
Ela, roxa e retesa
 
Como expressão da vida!
 
A beleza

Sempre no seu lugar, erguida!

E folhas de formosa pelos ombros,
 
Pelos rins, pelos braços,
 
Por onde a seiva rasga o seu caminho.
 
E a cabeça coberta,
 
De cheiro a sémen e a rosmaninho!

Modula a sensual respiração
 
Do arcaboiço fundo do teu peito
 
Uma flauta de cana alegre e musical.
 
E és humano,

Quanto mais és viril e animal!

Eis os meus versos, pois, filho de Agosto

E dos xistos abertos!

Versos que não medi, que não contei,

Mas que estão certos,

Pela sagrada fé com que tos dei!

Miguel Torga, in "Odes", Coimbra, 1946

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