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Uma aguarela de Lima de Freitas

Uma aguarela inspirada no poema Ode a Baco, de Miguel Torga.

Ode a Baco


Vou-te cantando, Baco!

Não pela colheita de hoje, que é pequena,

Mas pela de amanhã, muito maior!

Vou-te pondo nos cornos estas floras,

Que não querem ser líricas nem puras,

Mas humanas, sinceras e maduras.


Vou-te cantando, e vou cantando o sol,

A terra, a água, o lume e o suor.

Vou erguendo o meu hino

Como levanta a enxada o cavador.


Lá nesse Olimpo em geios,

Único Olimpo etéreo em que acredito,

Aí me prosterno, rendo e te repito

que és eterno,

Mais do que Deus e mais do que o seu mito.


Beijo-te os pés - os cascos de releixo;

Olho-te os olhos de pupila em fenda;

E sabendo que és fauno, ou sátiro ou demónio,

Sei que não és mentira nem és lenda!


Dionisio do Douro!

Pêlos no púbis como um homem,

Calos nas mãos ossudas!

E bêbado de mosto e do claro dia.


Cachos de alvarelhão de cada lado

Da marca universal da natureza.

Ela, roxa e retesa

Como expressão da vida.

A beleza

Sempre no seu lugar, erguida!


E folhas de formosa pelos ombros,

Pelos rins, pelos braços,

Por onde a seiva rasga o seu caminho.

E a cabeça coberta

De cheiro a sémen e a rosmaninho.


Modula a sensual respiração

Do arcaboiço fundo do teu peito

Um flauta de cana alegre musical.

E és humano,

Quanto mais és viril e animal!


Eis os meus versos, pois, filho de Agosto

E dos xistos abertos.

Versos que não medi, que não contei,

Mas que estão certos

Pela sagrada fé com que tos dei!

Miguel Torga, em "Odes", Coimbra, 1946



(Aguarela da coleção dos proprietários da Quinta do Cerrado da Porta)
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